quarta-feira, 30 de julho de 2014

Alemanha 7 X Brasil 1 - Provocações à parte... (por Sergio Luiz Ribeiro)

            Provocações à parte, preciso mesmo dizer que perder ou ganhar faz parte da nobreza do esporte. Sou um apaixonado por esportes, porque sou um apaixonado pela superação de limites, pela superação humana. 

            A nobreza no futebol, que esportivamente vai sempre existir, anda muito nublada e cada vez mais industrializada, assim como tudo o que a natureza humana tem produzido de melhor, seja nas artes, seja nos esportes. E não temos como escapar desta industrialização, afinal ela é um dos pilares que sustenta as estruturas do modelo socioeconômico ocidental.

            A FIFA deve ter um grande problema: ela deve sofrer alguma frustração de não ser um Estado, e daqueles bem absolutistas, conquistadores e saqueadores. Não o é, mais tem se esforçado bastante nesta busca surreal. Faz dos estádios alheios o seu território, impõe suas leis em detrimento da legislação, da sociedade e da cultura de cada local onde ela aporta, e suga riquezas consideráveis das nações, sendo capaz de gerar uma receita maior do que o PIB de muitos países, além de movimentar uma máquina industrial imensa. Outra característica que mais chama a atenção na FIFA é o seu poder em impor a sua política e os seus representantes, muitas vezes contrariando até mesmo certas autoridades locais. No Brasil, por exemplo, tivermos que aceitar a imposição da presença do secretário geral Jérôme Valcke, mesmo depois de protestos parlamentares oficias sobre o fato dele ter dito que por causa de atrasos nas obras dos estádios o país deveria levar “um chute no traseiro” (coisa que a seleção da Alemanha deve ter ouvido e resolveu cumprir). Neste sentido a FIFA é capaz de manipular uma soberania frágil tal qual a do Brasil,  e conseguir bular as leis locais como vender bebida alcoólica nos estádios, algo já proibido pela legislação brasileira.

            Outro fato passou despercebido pelo grande público. Muitos empreendedores que atuam em setores privados ou públicos, como o Maracanã, foram tirados da prestação de serviços, já que a FIFA carrega com ela as empresas que mais lhe compraz para todo o tipo de funcionalidade. A ação deixou muita gente desempregada em um país que atualmente incentiva o empreendedorismo e tem nele um importante sustentáculo da economia. Neste sentido os estádios são verdadeiras embaixadas da FIFA, e o uso da força policial com poder máximo de repressão está sempre à sua disposição para entrar em cena a qualquer momento.

            Quanto às provocações que fiz durante e após a partida da seleção brasileira de futebol neste, para muitos, histórico dia 07 de julho, quero dizer que o meu foco é apenas o de gerar o debate de ideias no objetivo de fomentar a discussão do que acontece na nossa sociedade. Já há um saldo positivo: a cultura até então inquestionável da paixão do brasileiro pelo futebol está fazendo as pessoas discutiram cidadania e consciência social e política.

           Outra questão interessante nessa industrialização dos talentos humanos é que justamente o ser humano, que é o desencadeador disso tudo, e por tanto a peça principal, tem pouco valor diante da grandiosidade do espetáculo que ele próprio gera com a potência da sua individualidade. Contrassenso? Não, apenas a força coerciva da coletividade em uma outra dimensão. É o contrato com a coletividade que diz que o show não pode parar. Até mesmo os contratos econômicos só existem em função e por causa do contrato subjetivo, porém muito poderoso, com a coletividade. Por isso mesmo que um atleta morra ou saia de campo carregado gritando de dor, o espetáculo tem que continuar. Já era assim nos embates das arenas antigas e medievais, e continua assim nas arenas (nome sugestivo) da FIFA. Não mudamos muito nesses milênios, não é mesmo? E os gritos, exaltações e palavrões de todo os tipos ainda imperam. A diferença é que ontem queríamos sangue, hoje queremos gol. Ainda assim quando o sangue entra em cena, nem ele é capaz de interromper a força coerciva coletiva.

            Voltando ao conteúdo das minhas postagens, independente das provocações, honestamente eu não acredito que a massa comum vá fazer manifestações porque se perdeu uma Copa do Mundo, afinal não fazem isso quando seus parentes morrem nos hospitais insalubres e abandonados, e nem por suas crianças estudarem em escolas mal cuidadas e de qualidade didática medíocre. E de fato seria para mim um desgosto ver a população sair em manifestações só pelo motivo da perda de uma Copa, a menos que tal perda fosse a gota d’água da indignação social, como foram os vinte centavos que em 2013 desencadearam o processo das Ruas. Mas, honestamente, não creio que isso se dê.

            Enquanto uma parcela reduzida das pessoas mais esclarecidas saí às Ruas pedindo mais justiça social sem se importarem com esta Copa do Mundo, a grande massa vai sim reagir à perda brasileira na Copa, mas farão isso nos bares, nas conversas entre amigos e coisas do tipo. Talvez no próximo ano uma escola de samba resolva fazer uma crítica como enredo. E assim vai-se reclamando, mas só até o próximo campeonato, até o próximo carnaval. E os grandes problemas da pátria amada vão ficando anestesiados por todo este ópio.

            E não adianta levantar o discurso de que temos que dar a resposta pelas nossas mazelas sociais nas urnas. Repare que a imensa maioria da população é desinformada, e há uma boa parcela que é muito carente. Isto gera um eleitor muito específico. Esse eleitor, que é a maioria do nosso eleitorado, está há muito viciado por todo tipo de compras de votos e não vai deixar de votar nos seus candidatos com quem mantém um alinhamento de interesses. Arrisco dizer que o quadro de políticos eleitos no legislativo vai mudar mais entre os candidatos pequenos, de menor poder aquisitivo, já que os endinheirados sabem bem como manter seus eleitores viciados. E não se espantem se o número de conservadores eleitos aumentarem e os de tendências mais socialista e à Esquerda diminuírem. Eu já venho falando deste efeito colateral provocado por nós nas Ruas há algum tempo. E honestamente eu torço para estar errado.

            Não votar seria uma boa ideia, mas não também funciona. Quem não iria às urnas são praticamente os mesmos eleitores que tentam votar de modo mais consciente. Repito: há uma imensa e disfarçada (às vezes descarada) compra de votos, e esse leitor que foi manipulado para vender o seu voto vai às urnas sim. Então se o eleitor mais consciente não vai às urnas, só faz ajudar o mal político que pratica a compra de votos e que por isso tem esse tipo de eleitor corrompido e viciado como um eleitor fiel.   
Também não acho que As Ruas sejam a única forma de provocar uma reforma profunda no país. Mas neste momento elas são praticamente a única forma de indignação popular com um poder de acelerar um processo que poderá ser mais muito lento sem as manifestações.

            Não sou do contra na torcida e nem quero espezinhar ninguém. De qualquer forma, foi bom ter tomado este choque do placar de sete a um , um choque da mais alta voltagem, e que não foi uma simples perda, mas uma humilhação nacional que nem o mais otimista entre os socialmente indignados com este país poderia desejar ou ousaria imaginar. Quem sabe o choque leve a massa a perceber que existem outras coisas mais importantes pelas quais precisamos torcer e nos empenhar.

Saudações Fraternais!

CULTO AOS MORTOS
MARX, Karl. In O 18 Brumário de Luiz Bonaparte. São Paulo, SP. Editora Boitempo, 2011

DURKHEIM, Émile. A Educação, sua natureza e seu papel. In Educação e Sociologia. Petrópolis, Editora Vozes, 2011.

SKINNER, Quentin. Parte dois - A Renascença Italiana. In As Fundações do Pensamento Político Moderno. São Paulo, SP. Editora Companhia das Letras, 1996.

Ops: desculpe-me, Skinner ainda está vivo!



Sergio Luiz Ribeiro é graduando em Ciências Sociais pela UFRRJ, orientando em pesquisa de Antropologia e Educação e presidente estadual do PMA-RJ


Abaixo os prints das conversar e debates: 












“SE ELES LÁ NÃO FAZEM NADA, FAREMOS TUDO DAQUI!”

“SE ELES LÁ NÃO FAZEM NADA, FAREMOS TUDO DAQUI!”