(Chiara Michelle Ramos Moura da
Silva, Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, Procuradora
Federal - Em 23 de junho de 2014) 1. Os primeiros teóricos que propuseram
uma nova forma de seleção acerca do direito dos animais também faziam parte do
movimento humanista moderno, dentre eles, Voltaire, criticou a opressão
praticada contra os animais, afirmando que se tratava de uma extrema pobreza de
espírito equiparar seres vivos a máquinas utilitárias, nas suas palavras: “É
preciso, penso eu, ter renunciado à luz natural, para ousar afirmar que os
animais são somente máquinas. Há uma contradição manifesta em admitir que Deus
deu aos animais todos os órgãos do sentimento e em sustentar que não lhes deu
sentimento. Parece-me também que é preciso não ter jamais observado os animais
para não distinguir neles as diferentes vozes da necessidade, da alegria, do
temor, do amor, da cólera, e de todos os seus afetos; seria muito estranho que
exprimissem tão bem o que não sentem. (VOLTAIRE, 1993, p. 169).”
2. Rousseau também criticou o uso de
animais em experimentos, afirmando que, desprovidos de razão, os animais
realmente não podem reconhecer a lei natural, mas, unidos que estão, de alguma
forma, à natureza humana pela sensibilidade de que são dotados, é de se
entender que também devam participar do direito natural e o homem estaria
obrigado, para com eles a certas espécies de deveres. Argumenta, ainda, que se
a lei natural obriga a não fazer nenhum mal ao semelhante é menos porque ele é
um ser racional do que porque é um ser sensível, qualidade que, sendo comum ao
animal e ao homem, “deve ao menos dar a um o direito de não ser maltratado
inutilmente pelo outro” (ROUSSEAU, 2001, p. 11).
3. Também Montaigne propunha
tolerância no trato dos animais, afirmando que aos homens se deve justiça, mas
não poderíamos nos esquecer das demais criaturas às quais deveríamos solicitude
e benevolência (LEVAI, 2004, p. 20). Retomando Plutarco, Montaigne ressaltou,
por sua vez, que haveria mais diferenças entre dois homens do que entre um
homem e um animal (DOWELL, 2008, p. 36). Espinosa, por sua vez, propôs uma
ética baseada na identidade entre Deus e Natureza. Ora, sendo Deus e natureza
uma só coisa, poder-se-ia concluir que a natureza é o ser fundante de todos os
seres. Deduz-se, portanto, que todos os seres estão interligados, embora cada
um mantenha sua individualidade. Dito de outra forma, cada realidade individual
seria manifestação do todo, que “se individualiza e concretiza em unidades
autônomas, como os homens, os animais e o meio ambiente” (SAWAIA in CARVALHO;
GRÜN; TRAJBER, 2009, p. 81-82).
4. Afirmando que o homem não é a
causa nem o centro do mundo, mas apenas uma parte de uma rede composta por
infinitas outras coisas que estabelecem entre si uma relação de
interdependência, o pensamento de Espinosa tem sido utilizado como
“fundamentação da ética ambiental” (FERREIRA, 1997, p. 535).
5. Também Leonardo da Vinci,
teorizou em prol dos animais, afirmando que “chegará o dia em que os homens
conhecerão o íntimo dos animais e, então, um crime contra qualquer um deles
será considerado um crime contra a Humanidade” (apud SERRA-FREIRE in VALLE;
TELLES, 2003, p. 350). Jeremy Bethan, Thomas Regan, Arthur Schopenhauer, dentre
outros, também contrariaram as correntes antropocêntricas, recebendo grande
reforço com as teorias de Alexandre Humboldt e Ernst Haeckel, considerado pai
da ecologia moderna. Contudo, nenhuma contribuição somou mais importância para
formação de uma nova comunicação acerca dos direitos dos animas que a teoria
evolucionista de Charles Darwin, demonstrando que todos os seres vivos integram
a mesma escala evolutiva, o que possibilitou as primeiras discussões acadêmicas
sobre o direito dos animais (LEVAI, 2004, p. 21).
6. No âmbito acadêmico brasileiro, a
mudança de comunicação no que diz ao trato com os animais teve como fomentador
o abolicionista José do Patrocínio, que comentou em sua coluna jornalística
intitulada “A notícia” que teria um respeito egípcio pelos animais, acreditando
que estes teriam alma, ainda que rudimentar, sofrendo conscientemente as
revoltas contra a injustiça humana. Em suas palavras: “Já vi um burro suspirar
como um justo depois de brutalmente esbordoado por um carroceiro que atestara o
carro com carga para uma quadriga e queria que o mísero animal o arrancasse do
atoleiro” (PATROCÍNIO apud LEVAI, 2004, p. 28-29).
7. Na esteira das suas considerações
de Patrocínio, Osvaldo Orico e Olavo Bilac também impulsionaram a comunicação
em prol dos animais. Olavo Bilac reafirmou o amor à vida, “amor a tudo quanto
vibra e sente, de tudo quanto rasteja e voa, de tudo quando nasce e morre”
(apud ORICO, 1977, p. 287), enquanto Orico (1997, p. 286) defendeu que os
escritos de Patrocínio em defesa dos animais representariam o último alento de
sua vida intelectual, harmonizando-se com sua postura sempre em favor dos
humildes.
8. Essas teorias propuseram uma nova
seleção de sentido no que diz respeito à possibilidade de consideração moral do
animal, o que, provavelmente, repercutiu na atuação das sociedades protetoras
dos animais. A RSPCA (Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals) e
ASPCA (Society for the Prevention os Cruelty to Animals), considerados grupos
radicais quando fundados, opuseram-se a todas as formas de crueldade para com
os animais, mas que, com aumento de recursos e do número de membros, passaram a
ter estreito contato com governos, empresários e cientistas, possibilitando
algumas regulamentações sobre a utilização de animais por parte do poder
público (SINGER, 2004, p. 248). 99994